A moda sempre teve os olhos bem abertos e os sensores antenados para a classe A, aquela que todos almejam chegar, mas que pela própria significação, é para poucos abastados. Aliás, não somente a moda, como todas as indústrias de bens e serviços, além do comércio.
Mas um novo fenômeno está desenhando a sociedade neste começo de século 21: a classe C está em evidência em quase todo o planeta, mesmo que como conseqüência de diferentes fatores.
Para começar, é necessário destacar o significado da classe C, que pode ser analisada pelo viés social, pelo viés econômico e até pelo cultural. Classe C é aquela parcela da população que está em posição eqüidistante dos parâmetros máximos e dos parâmetros mínimos (entre a classe A e a classe E), sejam eles relacionados à renda, a status social ou profissional, ou a grau de conhecimento.
Nos países europeus, onde o ambiente de mercado é considerado maduro, ou seja, a vasta maioria da população já adquiriu as condições mais que necessárias para um padrão de vida aceitável, a classe C tem se tornado o foco principal das empresas, por conta da ânsia de seus consumidores em progredir para a classe B.
Na Europa a mobilidade social é pequena, entretanto nos países emergentes, como o Brasil, a evidência da classe C está relacionada com o fenômeno da mobilidade entre classes. As mudanças econômicas vivenciadas nas últimas décadas resultaram em estabilidade e controle inflacionário, trazendo junto uma benéfica conseqüência direta para aqueles que tinham renda mas não tinham acesso a serviços bancários e ao crédito. Foi a classe econômica que mais cresceu nos últimos cinco anos.
A classe C pôde enfim planejar o que e como consumir, sem a angústia de ter que gastar tudo no dia do recebimento sob o risco da inflação corroer tudo. E isso explica a explosão de vendas no varejo, com fila de espera para aquisição de automóveis e da casa própria e as empresas buscando alternativas para solucionar os gargalos de produção. Mas para não fazer a conexão da classe C apenas com o consumo de bens duráveis, vale observar não só a investida de empresas de vestuário antes ditas como "populares" que estão investindo pesadamente em moda e tendências.
Ora, a tendência de moda tem uma tradição de ser gerada pelas classes abastadas, e para elas. À medida que uma moda é difundida, ela naturalmente vai perdendo em importância. Portanto, acompanhar "a crista da onda" é para poucos, que com a ascensão para a classe C, têm se tornado muitos.
Isso explica claramente as recentes investidas das marcas populares como C&A, Riachuelo e Renner no Brasil, com a vinculação de seus produtos cada vez mais às tendências de moda. Considerando as ações da gigante sueca H&M e da britânica Topshop, ambas ainda indisponíveis para o mercado brasileiro, com o lançamento de coleções exclusivas assinadas por grandes estilistas, vê-se como a expansão do mercado pode ser catalisada pela moda.
Os detalhes passam a ser um elemento importante nesse contexto, onde as relações entre produtos de massa e customização se tornam mais ambíguas. Vale lembrar que a aparência física e a imagem pessoal podem ter influência no status social. Ter a informação de moda na "ponta da língua" pode ser considerado um forte indício de sensibilidade e acesso à informação.
Como a classe emergente precisa ser legitimada e ter seu mérito como consumidora reconhecido, até nisso a moda pode dar suporte. Ponto para as duas.
Matéria de Maria Alice Rocha, a primeira a ter Doutorado em Moda no Brasil.
Fonte: Terra Magazine